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Thiago Gonçalves

Como os satélites de Elon Musk podem prejudicar a astronomia

Thiago Signorini Gonçalves

13/12/2019 04h00

Imagem obtida com um telescópio no Arizona, contaminada pelos satélites Starlink (Victoria Girgis/Lowell Observatory)

Astrônomos no mundo inteiro estão alarmados com a constelação de satélites artificiais Starlink, da companhia espacial SpaceX. Se por um lado a promessa de uma comunicação eficiente e global por internet como propõe o projeto Starlink é atraente, por outro o potencial impacto nos estudos astronômicos é enorme. Organizações como a União Astronômica Internacional e o Observatório Nacional de Radioastronomia norte-americano já deram declarações demonstrando preocupação com o projeto.

Os satélites refletem a luz do Sol, e por isso geram muitos traços nas imagens astronômicas, o que pode até mesmo inviabilizar o seu uso. Com isso, os astrônomos expressam grande preocupação com o futuro da ciência: se 120 satélites já podem prejudicar as observações, imaginem então quando forem 12.000, ou até mesmo 42.000 objetos!

Os astrônomos não têm nenhuma alternativa?

Em resumo, não. Muita gente fala, por exemplo, sobre o uso de telescópios espaciais como uma possível solução, mas é importante lembrar que esses telescópios são muito caros e de uso limitado. Ainda há muito que um telescópio na Terra pode fazer que o seu primo espacial não pode, mesmo custando 10 ou 100 vezes menos.

A próxima geração de telescópios na Terra, com diâmetros de até 40 metros (em comparação com os 6,5 m do telescópio espacial James Webb) será muito melhor para estudar a composição química de estrelas e galáxias, por exemplo. Não é uma alternativa, mas um caminho complementar.

Outros falam sobre a possibilidade de se remover a contaminação digitalmente. Isso só seria possível com várias imagens — afinal, como saber o que está abaixo do traço deixado pelo satélite? E mais, se sempre houver traços nas imagens, sempre haverá algum tipo de interferência. Com dezenas de traços em cada imagem, o problema se torna exponencialmente mais complicado. Isso é particularmente importante para projetos que buscam objetos que se movem no céu, como cometas e asteroides, pois utiliza-se justamente a diferença entre imagens para encontrar aqueles objetos que estão em posições diferentes em momentos diferentes.

Mas a SpaceX demonstrou preocupação com o problema!

Sim, é verdade. Tanto o próprio CEO Elon Musk quanto a COO Gwynne Shotwell já deram declarações dizendo que estão trabalhando para resolver o problema. Dizem por exemplo que vão tentar usar uma camada antirreflexiva em lançamentos futuros dos satélites. No entanto, admitem que não sabe se o problema será resolvido, e que será um simples método de tentativa e erro.

E aí reside um dos principais problemas: não há regulamentação no que diz respeito ao impacto dos satélites para a astronomia ou para os céus noturnos. Dependemos apenas da boa vontade de uma empresa que já deu declarações que a própria comunidade astronômica considera preocupantes, e que continua lançando dezenas de satélites sem qualquer tipo de coordenação com a comunidade científica.

Por último, gostaria de lembrar os leitores que essa batalha não é apenas pela ciência. Os céus noturnos são alguns dos nossos bens naturais mais preciosos, algo que nos conecta diretamente com a natureza e o Universo. Quem já viu a Via Láctea ou as galáxias das Nuvens de Magalhães a olho nu sabe do que estou falando. Ameaçar o céu é ameaçar nosso contato direto com o Cosmos.

Sobre o blog

O assunto aqui é Astronomia, num papo que vai além dos resultados. Conversamos sobre o dia-a-dia dos astrônomos, como as descobertas são feitas e a importância da astronomia nacional — afinal, é preciso sempre lembrar que existe pesquisa científica de qualidade no Brasil!

Sobre o autor

Thiago Signorini Gonçalves é doutor em Astrofísica pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia. Atua como professor de Astrofísica no Observatório do Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e é coordenador de comunicação da Sociedade Astronômica Brasileira. Utilizando os maiores telescópios da Terra e do espaço, estuda a formação e evolução de galáxias, desde o Big Bang até os dias atuais. Apaixonado por ciência, tenta levar os encantos do Universo ao público por meio de atividades de divulgação científica.