Cortes de bolsas tornam ainda mais incerto o futuro da ciência no Brasil
Hoje deixo de lado um pouco as notícias astronômicas e falo um pouco sobre o apoio à pesquisa no Brasil.
Faço isso porque a situação da pós-graduação no país, já em estado terminal, sofreu mais um duro golpe essa semana. Um ofício publicado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes, a principal agência que oferece bolsas de mestrado e doutorado em todo o Brasil) e divulgado na última quarta-feira (18) permite redução de até 50% no número de bolsas em um determinado programa.
Uma situação precária
Para contextualizar o problema, um panorama histórico e algumas breves explicações.
Primeiro, estudantes de pós-graduação são fundamentais em um instituto de pesquisa. São eles e elas que carregam o piano, por assim dizer, realizando boa parte (ou talvez até a maioria) das tarefas relacionadas à ciência, já que não têm outras responsabilidades didáticas ou administrativas.
Além disso, a maioria de estudantes depende das bolsas como salários. Eles têm um compromisso de dedicação exclusiva e não podem ter nenhuma outra fonte de renda, trabalhando integralmente em seus projetos de pesquisa.
Por fim, essa mesma classe está sem aumentos desde 2013. São quase 50% de inflação acumulada, o que representa uma forte desvalorização da bolsa e do trabalho destes cientistas.
Pós-graduação sem bolsas?
Como se já não bastasse tudo isso, agora a Capes dá seguimento a uma série de iniciativas que reduziu significativamente o número de bolsas no país. Em 2019 já foram mais de 7.500 bolsas cortadas, de cerca de 90.000 em todo o país. São milhares de cientistas que deixam de se formar por ano.
Em 2020, recebemos em fevereiro um comunicado que determinava nova distribuição de bolsas entre os diferentes programas de pós-graduação. À época, a Capes afirmou que não haveria alterações de mais de 10% no número de bolsas em cada programa.
Os critérios foram duramente criticados. O principal problema, para muitos, era usar o número de titulados como critério de avaliação. Isso quer dizer que programas menores, independente da qualidade da formação, seriam os mais penalizados.
No caso da Astronomia da UFRJ, curso que coordeno, o mínimo aceitável seria um total de seis mestres formados por ano. Se temos sete bolsas ao todo e o mestrado dura tipicamente dois anos, isso significa que a única maneira de não perdermos bolsas seria que metade de estudantes estivesse trabalhando de graça.
Com as críticas, as inscrições foram suspensas, até que a nova metodologia fosse revista. Para nossa surpresa, na quarta-feira recebemos a notícia de que os critérios estavam mantidos, mas agora a variação máxima seria de 50%. Um programa poderia perder imediatamente metade de suas bolsas!
Ainda não sabemos bem quantas bolsas foram perdidas, mas sem dúvida os mais afetados são os menores programas, que foram inaugurados mais recentemente ou estão em áreas tipicamente mais carentes do país. E é até difícil justificar os cortes com a crise econômica, se o valor economizado é menor que o aumento do fundo partidário para este ano.
Essas medidas afetam pessoas. No nosso caso, por exemplo, contamos com as bolsas e fazemos a seleção de novos alunos no final de cada ano. Tínhamos estudantes que já se haviam mudado no início do mês da Bahia e de Minas Gerais para o Rio de Janeiro para cursar o doutorado em Astronomia. Agora a situação dessas pessoas é incerta. Será que devem abandonar o programa e voltar para casa?
Para onde vamos?
Agora o futuro da ciência no Brasil se torna ainda mais nebuloso. Em outra agência, foi um corte de 87% no financiamento, e a fuga de cérebros se agrava a cada ano. No meio de uma pandemia, estamos cortando o fomento à pesquisa.
Como podemos planejar o crescimento brasileiro sem formar cientistas?
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