Por que é um desafio conseguir uma foto do buraco negro da Via Láctea
Thiago Signorini Gonçalves
06/08/2020 04h00
Simulação computacional da aparência de um buraco negro supermassivo (Telescópio do Horizonte de Eventos/Hotaka Shiokawa)
Quem não ouviu falar da foto do buraco negro divulgada em 2019? Foi uma das principais manchetes científicas do ano, e com razão: pela primeira vez, conseguíamos uma imagem direta de um buraco negro supermassivo. Mas será que isso é tudo? Não resta ainda um mistério a resolver?
O feito é impressionante, sem dúvida. Com uma massa de 2,4 bilhões de vezes a massa do nosso Sol, o buraco negro pode parecer um monstro cósmico, mas é um monstro muito compacto, e um instrumento especial era necessário para vê-lo.
O Telescópio do Horizonte de Eventos conta atualmente com 11 rádio-observatórios espalhados pelo planeta, que juntos atuam como um gigantesco radiotelescópio do tamanho da Terra, capaz (através de uma técnica conhecida como interferometria) de observar detalhes do tamanho de uma laranja na superfície da Lua. Apenas assim puderam obter uma imagem do disco de gás e poeira ao redor do buraco negro — claro, afinal o buraco negro em si não emite luz.
Por outro lado, leitores mais atentos podem se lembrar do seguinte detalhe: a imagem obtida era do buraco negro na galáxia M87, a 55 milhões de anos-luz de distância. Ora, se temos um buraco negro aqui mesmo na nossa galáxia, a Via Láctea, a "apenas" 25 mil anos-luz de distância, não seria mais fácil fotografá-lo primeiro?
Bom, por um lado esse nosso buraco negro é bem menor. Em comparação é um objeto diminuto, com 4 milhões de vezes a massa do Sol. Mil vezes menor, mas mil vezes mais próximo. Até aí, elas por elas.
O problema é justamente como essas dimensões afetam as medições. O tamanho do disco de nosso buraco negro é de cerca de 60 milhões de quilômetros, ou algo como o tamanho da órbita de Mercúrio ao redor do Sol. Para comparação, o disco de M87 chega a dezenas de milhares de vezes a distância da Terra ao Sol.
Assim, se qualquer coisa acontece com esse disco, um pequeno flash de luz ou explosão de energia no disco, essa perturbação se propaga em questão de minutos para o resto da estrutura, assumindo que a perturbação viaje à velocidade da luz. Em M87, esse processo levaria dezenas de horas.
Se estamos tentando obter uma imagem desse disco, é algo que dificulta enormemente o processo, como se estivéssemos tentando fotografar uma criança correndo em um quarto escuro. Obter uma imagem nítida não é fácil.
Cientistas da equipe já têm os dados em mãos e estão há alguns anos tentando processar as imagens, com o auxílio de supercomputadores, para tentar encontrar algum resultado. Esperamos em breve conhecer a aparência do monstrinho no centro de nossa galáxia.
Ah, mas a aventura não para por aí. Enquanto os novos resultados não são divulgados, pesquisadores pensam como melhor aproveitar esses dados.
Teorias mostram como buracos negros podem girar e até mesmo ter cabelos! Claro, não são os cabelos como em nossas cabeças, mas um termo para aspectos da Teoria da Relatividade aplicada aos buracos negros.
De qualquer forma, quanto mais dessas imagens obtivermos, melhor poderemos entender os mistérios dos buracos negros no Universo.
Sobre o blog
O assunto aqui é Astronomia, num papo que vai além dos resultados. Conversamos sobre o dia-a-dia dos astrônomos, como as descobertas são feitas e a importância da astronomia nacional — afinal, é preciso sempre lembrar que existe pesquisa científica de qualidade no Brasil!
Sobre o autor
Thiago Signorini Gonçalves é doutor em Astrofísica pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia. Atua como professor de Astrofísica no Observatório do Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e é coordenador de comunicação da Sociedade Astronômica Brasileira. Utilizando os maiores telescópios da Terra e do espaço, estuda a formação e evolução de galáxias, desde o Big Bang até os dias atuais. Apaixonado por ciência, tenta levar os encantos do Universo ao público por meio de atividades de divulgação científica.