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O que é preciso fazer para que satélites não atrapalhem o estudo do espaço?

Thiago Signorini Gonçalves

27/08/2020 04h00

Ilustração de constelações de milhares de satélites com lançamento planejado para os próximos anos (NOIRLab/NSF/AURA/P. Marenfeld)

Muito se fala sobre o impacto dos satélites de comunicação Starlink, da companhia espacial SpaceX, de Elon Muske seus semelhantes no estudo astrofísico nas próximas décadas. Eu mesmo já escrevi sobre isso no ano passado. Agora, a discussão foi oficializada em reunião realizada no final de junho deste ano e com um documento divulgado na última terça-feira, dia 25. Em resumo, o relatório mostra que os satélites podem ter um impacto severo em algumas áreas de pesquisa e sugere estratégias para lidar com o problema.

Vale notar que, até onde sei, é o primeiro evento do tipo que conta com a presença de engenheiros das próprias companhias fabricantes dos satélites, principalmente a SpaceX. Pessoalmente, espero que isso signifique que a empresa está escutando mais os cientistas e está realmente disposta a realizar mudanças em seu planejamento.

O trabalho, baseado em vários meses de observação e simulações computacionais, explica a diferença entre satélites mais baixos, que orbitam a menos de 600 km de altitude (como os próprios Starlink) e aqueles mais altos, com órbitas de aproximadamente 1200 km, como os OneWeb.

Os satélites mais baixos estão pelo menos mais protegidos pela sombra da própria Terra –é importante lembrar que o seu brilho vem da reflexão da luz solar. Dessa forma, podemos observá-los apenas durante os períodos após o pôr do Sol e logo antes do nascer do Sol. Já os satélites de órbitas mais altas estão mais expostos, prejudicando as observações durante quase toda a noite.

Vale ressaltar, no entanto, que mesmo os satélites mais baixos podem prejudicar seriamente algumas áreas de pesquisa. A busca por asteroides, por exemplo, por acontecer no plano orbital do Sistema Solar, muitas vezes é feita nessas horas, e esses dados podem ser muito contaminados por observações espúrias dos satélites.

Da mesma forma, eventos transientes, ou seja, aqueles que aparecem e desaparecem rapidamente, também podem sofrer com essa contaminação. Afinal, não sabemos se uma supernova ou colisão de estrelas de nêutrons será visível às 18h da tarde ou às 2h da manhã.

A primeira conclusão do relatório é direta: a única forma de zerar o impacto é reduzir ou até mesmo impedir o lançamento de novos satélites.

Sendo isso impossível, os autores propõem modificações técnicas, como a instalação de painéis escuros ou escudos solares para diminuir a reflexibilidade dos satélites. Outra solução é controlar as orientações dos satélites de tal forma que não estejam voltados com a superfície mais reflexiva para a Terra, sobretudo em momentos críticos para a observação do céu.

Os observatórios também devem começar a se preparar, otimizando software para a eliminação dos traços que podem contaminar a imagem e, se possível, disponibilizando aos astrônomos uma ferramenta de planejamento que preveja o número de satélites na observação dependendo de horário e direção de apontamento.

Por fim, o relatório lembra que, nos piores casos, quando os satélites são visíveis a olho nu, podem prejudicar não apenas a pesquisa astrofísica mas também a astronomia amadora e até mesmo povos indígenas ou religiões que dependam da observação do céu noturno.

Como astrônomo, espero que essa situação se resolva logo. Sei dos problemas que muitos colegas estão enfrentando, e sei também que a única forma eficiente de resolver a situação é com um grande esforço conjunto da comunidade científica e das empresas de comunicação.

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Sobre o blog

O assunto aqui é Astronomia, num papo que vai além dos resultados. Conversamos sobre o dia-a-dia dos astrônomos, como as descobertas são feitas e a importância da astronomia nacional — afinal, é preciso sempre lembrar que existe pesquisa científica de qualidade no Brasil!

Sobre o autor

Thiago Signorini Gonçalves é doutor em Astrofísica pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia. Atua como professor de Astrofísica no Observatório do Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e é coordenador de comunicação da Sociedade Astronômica Brasileira. Utilizando os maiores telescópios da Terra e do espaço, estuda a formação e evolução de galáxias, desde o Big Bang até os dias atuais. Apaixonado por ciência, tenta levar os encantos do Universo ao público por meio de atividades de divulgação científica.